

Comissão de Festas do Bom Jesus da Pedra
Não é fácil precisar em que altura começaram estas festas, pois nem sempre se fizeram com a regularidade e moldes actuais.
Do aparecimento da imagem, reza a lenda que deu à costa, dentro de uma caixa de madeira, na praia do Corpo Santo, em data desconhecida.
duas imagens – a primitiva e a actual – representam a imagem do “Ecce Homo”, o Cristo coroado de espinhos, sentado numa
As festas em honra do Senhor Bom Jesus da Pedra estão, desde sempre, a cargo da Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca do Campo. Realizam-se no último domingo de Agosto de cada ano.
Consta, do arquivo da Santa Casa da Misericórdia, o manuscrito que se transcreve (original em latim e tradução). Dá conta do reconhecimento e da autorização papal, em 1903, das festividades que já se realizavam em honra do Senhor da Pedra.
Angren
Quum in Ecclesia: loci vulgo dicti “Villa Franca do Campo” intra fines Angren Dioceseos; Dominica postrema Augusti, peculiaris solemnitas in honorem Domini Nostri Jesu Christi spinea corona redimiti, sub vulgari titulo” Signore della pietra” permagno Fidelis Plebis concursu quotamnis institui soleat; hodiernus Praeses Coetui festivitatis apparandae, ne hunus modi sacra pompa in extrinsecis santum concludatur a St.mo D.no Nostro Leone Papa XIII humullibus precibus privilegium flagitavit quo Mestra omnes cumutiata Dominica celebrari ibidem valeant de festa Sacrae Spineae Coronae D.N.J.C. uti in Appendice Missalis Romani, Feria sexta post Cincres. Sacra porro. Ritmum Congregatio, utendo facultatibus sibi specialiter ab codem Ss.mo Düo Nostro tributis, attento praesertim commendationis officio Rmi Düi Episcopi Angren; bem que precibus ammit; demmodo non occurrat Duplex primae classis quoad Missam solemnem et Duplex etiam secundae classis quoad Missas lectas, ne que amittatur Missa Conventualis vel Parochialis Officio dici respondens quatemus eam celebrandi ónus adsit; servatis Rubricis. Contrariis non obstantibus quibuscunque. Die 29 Maii 1903.
Rescrito da Congregação dos Ritos
“Visto que na Igreja de Vila Franca do campo, na Diocese de Angra, no último Domingo de Agosto, se costuma fazer todos os anos, uma grande solenidade em honra de Nosso Senhor Jesus Cristo Coroado de Espinhos, com o título popular de “Senhora da Pedra”, com grande concorrência de Povo Fiel;
O Santo Padre o Papa Leão XIII, atendendo às humildes suplicas, concede o privilégio, a partir do dia de hoje, de se poder celebrar, com pompa sagrada exterior, no Domingo, a Festa de Nosso Senhor Jesus Cristo, Coroado de Espinhos, como vem no apêndice do Missal Romano, na sexta-feira depois das Cinzas.
Assim a Sagrada Congregação dos Ritos, fazendo uso dos poderes a ela atribuídos pelo Santo Padre, tendo em conta, principalmente a carta de recomendação do Senhor Bispo de Angra, autoriza o dito pedido, uma vez que não ocorra outra festa “Duplex de 1.ª classe” quanto à Missa Solene, e “Duplex de 2.ª classe” quando forem Missas rezadas, uma vez que não se deixe de rezar a Missa e o Ofício Conventual ou Paroquial, respeitando as rubricas litúrgicas. E isto, não obstando outras prescrições contrárias.” 29 de Maio de 1903
Nesse mesmo ano de 1903 (ano da morte de Leão XIII), e de acordo com o que escreveu o Prior da Matriz – Jorge Furtado da Ponte – a 20 de Setembro, o bispo da diocese veio às festas:
A festa do Sr. Bom Jesus da Pedra, celebrada no dia trinta do mez d’ Agosto teve este anno um brilhantismo e esplendor desusados, pela presença do Sr. Bispo da Diocese, D. Jose Manoel de Carvalho. (…) A banda Lealdade toca o Hyno Nacional logo que o Prelado desembarca e acompanhado de todo o Clero (…). Mas durante as festas não houve alteração da ordem publica, apezar de se calcular em quarenta a cincoenta mil pessoas, que aqui vieram nos tres dias em que duram as festas. (…) A Ex.ma Camara Muncipal, o Ex.mo Administrador do Concêlho, Visconde da Palmeira com a sua farda de titular, o Ex.mo Capitão Silveira e Dr. Cabral, guarda mór de saude, que tinham assistido á festa da manhã, acompanharam a procissão.
Este SENHOR, ligado pela história à Senhora das Misericórdias, é de todos mas “é mais nosso, é de Vila Franca”. Presta-se culto a “Um Só Deus” mas as Festas do Senhor Bom Jesus da Pedra são a manifestação muito própria da fé das gentes da primeira capital da ilha, residente ou emigrante, correspondendo assim a parte da sua Identidade.
A grandiosidade e o forte cunho religioso das festas do Senhor da Pedra são registadas, anos após ano, na comunicação social. São inspiração de poetas e inscrevem-se, de forma indelével, na identidade do povo da primeira capital da ilha.
Armando Côrtes-Rodrigues (1891-1971) escreveu na sua correspondência
Naquele tempo [o tempo da sua infância] a Vila tinha um ar fundo de Convento. O silêncio nas ruas era quase claustral. As únicas manifestações colectivas eram as religiosas. Tudo andava à volta disso e a vida decorria entre a casa e a igreja. (…) A nossa primeira casa tinha um forte sabor religioso para o que bastava já a presença da freira franciscana e a proximidade da igreja do Hospital com a imagem do Senhor da Pedra, cujas jóias eram cuidadas lá em casa, no arranjo da cana e da coroa de espinhos para a sua festa que foi sempre a segunda da ilha.
Após as festas, no início de Setembro, o prestigiado Jornal “A Crença” – o único de Vila Franca do Campo – dedica largas páginas ao Senhor da Pedra, seja em narrativas várias, seja em poema, como o que se segue, de Lúcia Costa Melo, escrito em 1989:
E os olhos do Senhor no chão. Agónico numa
imensa espera. Num cumprimento terrível de
todas as profecias. Com um olhar que se
escusa julgar ainda.
Com um olhar de supremo perdão, ainda.
Com aquele perfume intenso de flores, vagos
cheiros sacros, incenso, silenciosos murmúrios
de preces rodopiando lembranças, velas
acesas, rodopiando saudades, penumbras de
vozes vindas de longe.
A preparação das festas envolve todo o concelho, como escreve no órgão Informativo da Santa Casa “A Misericórdia da Vila”, em Agosto de 2007, o seu actual Provedor, António Cordeiro:
(…) Percebe-se já o brilho nos olhos, o calor nos corações, um cheirinho a América e Canadá
Toda a vila se entusiasma na preparação dos templos, ofertas para o bazar e cortejo de oferendas, decoração de ruas e varandas, iluminação, almoços de festa… com muita fé e um imenso amor por Este Jesus que a todos toca.
É este sentido de união que gostaria de sublinhar, dada a centralidade do Senhor da Pedra de um extremo ao outro do Concelho. (…)
As festas do Senhor da Pedra duram uma semana. A Comissão repara um vasto programa, amplamente divulgado, com actividades que vão desde as celebrações religiosas – tríduos preparatórios, sábado da mudança da imagem da igreja da Misericórdia para a Matriz, missa de festa e procissão do domingo pelas ruas da Vila – a provas desportivas, eventos culturais e animação dos arraiais.
O dia da mudança do Senhor só começa às 21:30, quando a formosa imagem surge à porta para vir ao nosso encontro. Acendem-se as luzes, rebenta o fogo e os nossos olhos contemplam o rosto d’ Ele, ao som do que as nossas almas não dizem.
Muitos vão à Sua frente, outros atrás, círios e terços na mão. Velhos, jovens e meninos, bebés na barriga ou já ao colo de mães e pais, rostos alegres ou sofridos, tristes ou preocupados, um respeito imenso. Cada um sabe de si. E o bom Jesus vem ali, carregando ao colo súplicas, agradecimentos, promessas, louvores. (…)
No domingo, ao final da tarde, a procissão, bela em extensão e participação. Caminhada de homens e mulheres, de todas as idades e condições: escuteiros, estudantes, bombeiros, polícias, músicos, migrantes, comerciantes, voluntários, patrões, empregados e desempregados. Procissão em que o Bom Jesus é o centro de todas as atenções, sentado num trono de pedra, vestido e ornado como o Rei do mais supremo amor.
Percorre a Vila, por entre as nossas vidas, ao som do hino que nunca nos cansamos de ouvir, numa proximidade que arrepia, entre o perfume do incenso e os anjos verdadeiros de asas brancas. Há lágrimas por trás das flores, há saudades dos que não estão connosco, há preces que sobem mais alto que os foguetes. Ele sabe de todos nós e a todos diz alguma coisa, antes de voltar ao seu trono dourado, na Misericórdia.
